domingo, 29 de maio de 2011

Identidades Sonoras dos Games

Que tal falar sobre identidade ? O conceito de identidade pode ser compreendido, de forma um tanto quanto romântica, como um conjunto de características próprias – e em alguns casos nem sempre individuais – de algo ou alguém. Podemos encontrar identidade de diferentes maneiras, sejam elas orgânicas, químicas, físicas, ou numéricas. O fato é que como não poderia deixar de ser, os jogos possuem também uma identidade. Na realidade, na cronologia dos jogos eletrônicos, de início não haviam muitas características que compusessem essa identidade. Isso deveu-se principalmente aos limites da tecnologia da época que permitiam aos jogos determinados limites visuais, sonoros e técnicos. Com o passar dos anos, porém, tudo mudou, e a área dos jogos eletrônicos passou a abraçar uma gama muito maior de áreas em seu processo de desenvolvimento.

E então o que será que modificou nesta identidade ?

Pode-se dizer que a identidade dos jogos estruturalmente não mudou radicalmente. Sim… grosso modo, teoricamente continuamos a desfrutar de elementos visuais, sonoros e técnicos. Porém, a grande diferença é que hoje, todas essas características podem ser implementadas de maneiras mais funcionais e tecnológicas do que anteriormente era possível. Características visuais que antes eram limitadas a sprites ou formas geométricas estáticas com o tempo puderam ganhar corpo de outras maneiras. Arte tridimensional, cores vivas, ambientações, realismo, e tantos outros artifícios, hoje, fazem parte do que podemos chamar de identidade visual ou gráfica de um jogo. Animações também fazem parte desta identidade visual, e vale lembrar que não se trata somente de animação não interativa, como no caso das cutscenes comentadas em meu outro post. Todas as ações visuais presenciadas pelo jogador ao interagir com o jogo são também animação, e fazem parte dessa identidade.

Na identidade sonora dos jogos houve um grande avanço estrutural e, consequentemente, potencial. O que antes não passavam de sons e músicas MIDI e WAVs codificados em 8 bits, passaram a ser implementados em outros formatos (como MP3, OGG, M4A etc.), mas agora dispondo de melhor qualidade e com possibilidade de disposição tridimensional. Com isso a identidade sonora se tornou possível de forma a conduzir efeitos sonoros ativos (ações de personagens, uso de itens, sons originados da interação com o ambiente etc.) e passivos (músicas de fundo, efeitos climáticos, sons inerentes ao ambiente etc.) de forma envolvente e realista.

A identidade técnica ou numérica é, provavelmente, a mais próxima à base da estrutura do jogo, manifesta-se de forma programática e exata. Diz respeito em grande parte às funcionalidades, capacidades e limitações dos jogos – sejam elas mecânicas, físicas, referentes a gameplay etc. Hoje esta identidade é formalizada com engines já compradas ou construídas, elas são ferramentas dedicadas à criação de jogos que dispõem de uma série de artifícios que facilitam esse processo de criação como, simulação de comportamentos, sistemas de colisões, iluminação dinâmica, sistemas de partículas etc. Na realidade, esta identidade não possui muitos meios de prover originalidade, mas como bem sabemos é indispensável como elemento do jogo. Fora estes elementos que compõem a identidade dos jogos, ainda contamos com manifestações estruturadas de maneira mais interativa, uma identidade interativa como no caso da narrativa, e por que não citar a própria gameplay que apesar de ser fruto de uma série de aspectos programáticos é interativa.

Todos estes subgêneros de identidade que comentamos são externados ao jogador de diferentes modos, sendo alguns mais ligadas a estrutura do jogo, e outras mais ligadas a seu visual. Aspectos ligados a estrutura do jogo geralmente são mostrados de maneira secundária: enquanto o jogador se foca em interagir, por exemplo, acaba tendo contato com outros elementos marcantes sem de fato perceber. Aspectos mais visuais possuem um contato mais direto com o jogador como antes demonstrado pela identidade visual e sonora.

Tendo uma noção do que se trata esse conjunto de características próprias de um jogo que formam uma identidade, e como essa identidade se relacionou com os avanços tecnológicos, somos levados a um ponto importante que é o papel que essa identidade desempenha. A identidade, esse conjunto de aspectos próprios de um game, desempenha um ‘papel divisor de águas’, agindo primeiramente como um conjunto de características capazes de diferenciar um jogo da miríade dos muitos outros que têm-se no mercado. Ela [a identidade] serve, se bem aplicada, para tornar um jogo original, marcante e único.

Pode parecer obvio, mas muitos jogos que são até hoje relembrados, não são lembrados à toa, mas sim porque conseguiram realmente encantar o público de alguma forma. O fato é que alguns elementos dessas identidades nos fazem lembrar perpetuamente de determinados jogos, e ainda compará-los a outros, os utilizando de ‘ponto de partida’ – detentores de uma idéia original.

Vez ou outra é comum compararmos coisas, principalmente se estivermos interagindo com elas. Desse modo idéias e conceitos copiados são facilmente associados às suas identidades originais. Quem ai nunca se pegou comparando visualmente um jogo a outro? Ou então escutou um som/música de algum jogo, e após algum tempo tentando lembrar sua origem ou após um momentâneo estalo mental soltou um: “Ah! Sabia que conhecia isso, é de tal jogo. Grande jogo…!”. Quem ai não já se pegou comparando mecânicas, gameplays e conceitos de jogos? “Cara, gostei desse Railroad Tycoon, parece um Sim City, mas é sobre a construção e administração de ferrovias.”. Além de comparações, identidades marcantes causam quase sempre nostalgia.

Infelizmente, no mundo dos games, a identidade nem sempre consegue cumprir o seu papel, principalmente nos dias atuais com a quantidade imensa de jogos que temos no mercado. Um dos principais motivos para que isso ocorra é uma certa modularidade mercadológica que faz com que muitas empresas, durante o processo de desenvolvimento de um jogo, usem identidades – independente de quais elementos delas forem usados – de forma idêntica a outras que já estão no mercado e já passaram por uma certa aceitação de público.

Nesses casos, elementos estruturais são mais comumente ‘copiados’ do que aspectos mais visuais, sonoros e narrativos, os quais são mais facilmente percebidos. Com os avanços tecnológicos, não somente o processo de desenvolvimento de jogos foi potencializado, mas também o seu mercado junto com seu público. Tudo isso abriu um leque de possibilidades à indústria dos jogos, mas em todas elas perdurou um caráter mercadológico diante do caráter inovativo. Assim, muitos jogos são produzidos somente para serem vendidos, não para inovar. Esses jogos geralmente não possuem uma identidade própria, mas uma alheia já existente que, quando muito é ligeiramente modificada (seja para melhor ou para pior). Criar uma identidade totalmente nova em seus mais diversos aspectos, tornou-se arriscado aos caros e ousador projetos de games que temos hoje, pois não há certeza de aceitação e sucesso.
Todos estes aspectos acabam criando uma certa alienação no mercado dos jogos, onde vez ou outra aparece algo realmente original e inovador. Mas como indústria, o processo de desenvolvimento de jogos busca cada vez mais uma mecanização que facilite tal criação. Como seria possível então para os jogos criar identidade, originalidade e ainda qualidade superior aos concorrentes, sendo produzidos da mesma maneira mecânica que os inúmeros outros? Quem sabe algum dia questões como esta tenham uma resposta onde prevaleça interesses pela identidade ao invés de interesses somente pelo mercado. Até lá, creio que ainda teremos muito tempo de casuais originalidades e de mais do mesmo, sempre fazendo justiça àqueles jogos que mereçam ser relembrados.

E vocês o que pensam sobre ?

Abraços.

Rauí Fernando.

Publicado por Joaquim Palhares

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